domingo, 11 de setembro de 2011

O lá e o agora

A lua decorava um céu de poucas estrelas, lá embaixo em um bar não muito sofisticado encontrava-se Bela. Uma garota que apesar do nome, não tinha como maior virtude a beleza, seus cabelos eram volumosos devido aos vários cachos. Levava no olhar uma tristeza enorme, quando sorria este sorriso não se refletia no olhar. Avaliando mais profundamente, ela era apagada.

Em seu interior guardava uma chama verde, tinha a esperança como fiel guiadora. Sentia se impotente perante a vida, mas mesmo assim resistia bravamente. Hoje ela terá que fazer uma escolha, mesmo que ela nem imagine que tenha opções. Atravessou a avenida movimentada, olhou a placa e confirmou o endereço. Estava ansiosa.
Adentrou o restaurante e foi guiada pelo garçom até sua mesa. Sorriu para o rapaz que lhe aguardava, sentou-se o olhando fixamente. Disse em seguida:

— Foi uma surpresa agradável seu convite, não esperava mesmo por isto.
— Bom lhe chamei para este jantar, por que precisamos conversar sobre um assunto muito sério.
— Assunto sério? Pode falar, sou todo ouvido.
— Serei direto, não quero que você faça escândalo, chore ou dê pulinhos. Falarei e sairei e, por favor, não vá atrás de mim.

Ela ouviu tudo, em seu intimo esperava outra noticia. Ele realmente não a conhecia, mesmo após tantos anos dividindo uma mesma vida. Ela pensava ser uma mesma vida, como esteve enganada. Dedicou-se a ele por tanto tempo e agora estava ali sentada sozinha, jogada no bar como uma coisa que não tem mais utilidade. Lágrimas silenciosas banhavam seu rosto, ela não sabia exatamente o que fazer. Chamou o garçom, pagou a conta e saiu meio sem rumo. A solidão devorava seu ser, tinha certeza que tinha encontrado quem iria lhe preencher, como estava enganada.

Caminhou a passos vacilantes para a noite chuvosa, não abriu a sombrinha, deixou a chuva estragar toda sua produção. A maquiagem borrava sua face, os pés faziam um barulho estranho devido à quantidade de água que guardavam dentro de si. Ela caminhava pesadamente, a saia grudava em seu corpo, a blusa de manga pingava água. Não observou a avenida ao atravessar, estava em outra dimensão. Um farol, uma buzina e o corpo da infeliz foi arremessado para longe.
Uma sirene enlouquecida, agua negra sendo arremessada para longe. Eles contra o tempo, oxigênio, ataduras, coletes, nada fora esquecido. Um olhar pesado e uma negativa para o outro, não tinham para quem ligar.

§§§

— Como eu vim parar aqui? –Ela se perguntava olhando desesperada para suas roupas.

Não obteve resposta, andava por uma mata fechada, não conseguia ver o céu, estava tudo muito bem iluminado. Observou devagar a copa das árvores, olhou o chão e achou estranho ele não ser marrom ou talvez verde. Parecia estar caminhando na agua, mas não havia água ali. Não ouvia nenhum som, via apenas árvores enormes, que se perdiam num céu inexistente.

Aquela situação lhe causava angustia, queria encontrar alguém. Sentou-se debaixo de uma árvore, sentiu a textura do chão, ele realmente era corrente. Seus olhos pesaram e ela adormeceu. Quando acordou assustou-se ao perceber um enorme espelho em sua frente. Tocou-o devagar e ele acendeu como que por mágica. Pousou seus olhos tristes no mesmo. Um filme de sua vida começou a ser exibido, desde o nascimento até o ultimo momento que se lembrava. Chorou muito, muito, esvaiu-se em lágrimas. Sentiu a garganta fechar, o ar lhe faltar. Uma forte pressão atacou seu coração e ela desejou a morte. No seu desespero solitário sentiu uma mão tocar-lhe o ombro, virou-se e viu alguém, porém este alguém não tinha rosto. Ficou atônita lhe fitando o nada, então uma voz suave banhou lhe o corpo por completo e ela se acalmou.

— Você está aqui para fazer uma escolha. – Falou a voz macia.
— Que tipo de escolha? Não entendo! – Disse a moça fixando o olhar no vazio.
— Entre o lá e o agora. – Disse a voz apontando para o espelho e o infinito.

Ela olhou para o espelho e o filme, desta vez, passou bem devagar, ela pode perceber os raros momentos felizes que teve. Visualizou rostos que a muito foram esquecidos. Reviu lugares que não se lembrava  quando visitou. Lembrou-se que possuía um belo sorriso, sentiu alegria ao rever um abraço amigo. Seu coração bateu forte ao rever seu maior desejo, suspirou baixo. Tudo foi passando lentamente, reviu o primeiro beijo. Descobriu neste meio que a muito era enganada, seu coração pulou ao rever lentamente seu ultimo momento. Desta vez segurou as lagrimas, não teria pena de si mesma.

— Viu como a calma é poderosa? –Sussurrou a voz etérea.

A moça não pronunciou palavra, apenas fixou o vazio e perguntou.

— O que devo escolher?  
— Deve decidir para onde quer voltar, para lá ou viver o agora. – A mão do corpo sem rosto tocou-lhe agora nas mãos, ela sentiu uma onda elétrica passar por seu corpo e tudo começou a girar.
— Por que tudo está girando? O que aconteceu?
— Deve decidir agora, estão lhe levando para o lá novamente. – A voz se distanciou.  
— Como faço a escolha? – Ela perguntou quase gritando.
— Pense no que deseja e se deixe levar. – A voz sumiu no redemoinho a sua volta.

§§§

Bip...bip o som calou-se trazendo tristeza aos olhares.
— Nós a perdemos, não existe mais o que fazer.
— Sim, a bolsa foi encontrada. Teremos para quem ligar agora.
— Deixe-me ver a foto da identidade? – Pediu uma moça, de olhar vivo.
Ela olhou demoradamente a foto e disse sorrindo:
— Pensei que o estrago era por causa do acidente, eu estava enganada. – Entregou a carteira para a outra.
— Você é muito maldosa, deveria pensar no futuro, no agora. Ninguém sabe o que nos espera lá.
— Você é boba, morreu acabou. A terra come e pronto. – Disse a outra dando de ombros.
— Se você pensa assim, problema seu.
§§§

Ela desejou segurar aquela mão novamente, sentir a eletricidade percorrer seu corpo novamente e assim aconteceu. O ninguém se transformou em alguém. Seu rosto era belo, na mais simples das belezas. Ele lhe sorriu e ela por sua vez não teve receio de sorrir. À medida que caminhavam uma cidade ia se formando, o chão se tornava áspero e ela podia ouvir sons. Seu coração estava alegre, sentia-se completa.

FIM








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